Origem:
Brasil
Direção:
Heitor Dhalia
Roteiro: Heitor
Dhalia, Marçal Aquino, Lourenço Mutarelli (livro)
Com: Selton
Mello, Paula Braun, Silvia Lourenço, Martha Meola, Lourenço Mutarelli, Alice
Braga
Geralmente classificado como comédia,
este filme me cheira muito mais a drama psicológico, capaz de gerar
muito mais angústias do que risos.
Talvez o gênero comédia tenha
“pegado”, em função do objeto-fetiche da história ser uma bunda. Sim, porque
tudo começa com uma paixão avassaladora por uma bunda...
Baseado no primeiro romance do
quadrinhista Lourenço Mutarelli – que, aliás, também atua no filme – O Cheiro do Ralo conta a história de
Lourenço (espetacularmente interpretado por Selton Mello), um homem simples,
morador do subúrbio de alguma cidade grande, que vive de comprar e vender
objetos velhos. Lourenço é obcecado pelo mau cheiro que exala do banheiro de
seu escritório, justificando-se a cada cliente que entra. Ele quer deixar bem
claro que aquele cheiro não vem dele, não o pertence. Será?
Acontece que à medida que a trama
vai se desenvolvendo, o rapaz vai ficando mais e mais obcecado pelo cheiro,
atribuindo-lhe a culpa por seu comportamento cada vez mais estranho, por seu desapego, sua falta de afetividade. Lourenço vai, assim, mostrando-nos suas
manias, suas neuroses, suas loucuras, como se aquele cheiro fosse se
impregnando em seu corpo e em seu caráter. Ele inicia, então, um jogo de
negociação perverso com seus clientes, os humilha, os diminui, os desorienta. Ele é
cruel. Sente-se poderoso, dono da verdade, melhor do que todos. Ele tem
dinheiro. Só não percebe que tudo que construiu está indo
pro ralo!
Mas, por trás de toda essa
crueldade, percebemos um homem solitário, perdido e extremamente carente. Pouco
a pouco o filme vai nos dando pistas para entendermos melhor sua história. As
coisas vão fazendo mais sentido, mas nem por isso tornam-se menos cruéis.
A trama de O Cheiro do Ralo - meio non-sense, meio alegórica - é atemporal, não estando presa tampouco a nenhum
lugar específico. Pode acontecer a qualquer um, em qualquer lugar, em qualquer
tempo, já que diz respeito à natureza humana que, às vezes, por razões
desconhecidas, assume comportamentos bizarros e incompreensíveis.
Produzido com um orçamento ínfimo, a estética do filme é bem interessante. O figurino e o cenário são extremamente kitsch,
com predominância das cores marrom, verde e suas variações de tons. Tudo é meio
escuro, sombrio, sujo. A exceção fica por conta das cores presentes no universo da lanchonete em que
trabalha a dona da bunda de que falei no início - uma loura de nome
impronunciável e que vai se tornar uma das obsessões de Lourenço. Com suas saias
curtas ou calças apertadas, ela está sempre vestida de cores alegres, às vezes de tons pastéis ou florais, um contraste que funciona como uma
espécie de oásis na vida sombria daquele homem cheirando a esgoto.
Com bom ritmo, ricos diálogos e belas cenas, O Cheiro do Ralo é um ótimo filme, que
explora com ironia a natureza ao mesmo tempo frágil e perversa do ser humano.
Vale conferir!
Por Lilia Lustosa