6.11.13

Capitães da Areia (2011)


Origem: Brasil
Direção: Cecília Amado e Guy Gonçalves
Roteiro: Cecília Amado, Hilton Lacerda e Jorge Amado (livro)
Com: Jean Luis Amorim, Ana Graciela, Robério Lima, Israel Gouveia, Jordan Mateus

Jorge Amado deve ter organizado uma bela festa no céu, para celebrar a adaptação extremamente sensível de seu livro de juventude, realizada por sua neta Cecília Amado.

O filme é lindo, sensível, poético, crítico e gostoso de ver!

O Capitães da Areia de Cecília flui com a mesma facilidade que flui o Capitães da Areia de seu avô Jorge. O ritmo do filme é bom, embalado pela trilha original assinada por Carlinhos Brown. Os planos são extremamente bem pensados, bem compostos e harmoniosos. Alguns talvez muito “posados” beirando à teatralidade, mas ainda assim, belos.

As cores escolhidas para as cenas diurnas são fortes e vivas, representando com alegria as misturas tão características da Bahia. Já as cenas noturnas são bem mais escuras, com uma luz meio barroca, alaranjada, dando um certo tom de mistério, suspense, medo e desamparo.

A trama do livro, transposta para as telas, conta a história de um grupo de meninos de rua, que, unidos pelo abandono, compartilham o mesmo “teto” (um trapiche caindo aos pedaços), os mesmos medos, as mesmas angústias e as mesmas dificuldades. Falta-lhes quase tudo: família, amor, comida e os meios básicos para sobreviver. Só o que têm é um ao outro. Assim, seguem lutando contra as adversidades da maneira que a vida lhes ensinou: roubando, trapaceando, cometendo pequenos delitos aqui e ali, e fugindo e se escondendo sempre. São foras da lei ou “heróis sem caráter”, como era também Macunaíma, famoso personagem criado por Mário de Andrade no fim dos anos 1920. Mas, antes de mais nada, são vítimas de um sistema defeituoso, vítimas do abandono. Vítimas de um país incapaz de garantir os direitos básicos aos seus cidadãos.

O interessante é perceber toda a crítica social feita por um Jorge Amado ainda bem jovem – ele tinha 25 anos quando publicou o livro –, de tendências comunistas, numa época de grande repressão política, social e cultural no Brasil. O livro foi publicado em 1937, e já foi logo perseguido, tendo tido vários exemplares queimados em praça pública, em Salvador.

O jovem Jorge aborda questões como a da diversidade religiosa - parte integrante da cultura baiana – em que candomblé e Igreja católica convivem, misturam-se, mas oficialmente, não podem coexistir. Ou como a da hierarquia que se faz presente no convento,  no reformatório, na delegacia e mesmo dentro do grupo não-organizado-de-meninos-homens-sem-lei. Sendo que, a bem da verdade, dentro da marginalidade em que vivem os Capitães, eles tinham sim suas regras e seu código de ética que tinha que ser respeitado por cada um deles.

No grupo, aliás, há figuras representativas de vários elementos que compunham a nossa sociedade da época e que ainda o fazem hoje: Pedro-Bala (Jean Luis Amorim), o líder; Professor (Robério Lima), o intelectual. Boa-vida (Jordan Mateus), o charmoso e envolvente negociante. Pirulito (Evaldo Maurício), o religioso. Sem falar da figura feminina, sintetizada na personagem Dora (Ana Graciela), única menina do grupo. Órfã inteligente e valente, uma guerreira que representa para os diferentes Capitães da Areia diferentes papéis femininos (mãe, esposa, irmã, amiga, etc.) e que traz para o filme um toque de delicadeza e de sensualidade.

Ao fazer a transposição da obra literária para a telona, Cecília, a neta-diretora, optou por dar destaque a certos elementos que estavam no livro, deixando alguns acontecimentos de fora, tais como o suicídio de um dos personagens. Nada de anormal para esse tipo de empreendimento, que, certamente requer escolhas e cortes.

Como destaque, temos, por exemplo, a figura do carrossel, elemento representativo da esperança, do sonho, da fantasia e do resgate da inocência e da infância perdidas tão precocemente por aquele grupo de meninos abandonados. Um elemento recorrente que dá um tom de leveza e de poesia ao Capitães de Areia de Cecília.

E, aliás, é neste clima de leveza, de luz e de esperança que o filme termina.

Para os que, como eu,  leram o livro na juventude, trata-se de uma bela maneira de recordar as sensações proporcionadas pela obra de Jorge Amado. Dá uma vontade danada de percorrer aquela estante empoeirada, pegar o livro e mergulhar novamente no universo dos meninos Capitães da Areia. Certamente será uma leitura diferente, desta vez com um olhar mais adulto sobre um tema juvenil, infelizmente, ainda tão atual em nosso país e em outros cantos do globo.

Livro e filme totalmente recomendados!



Por Lilia Lustosa